quarta-feira, setembro 17, 2008

Uma viagem de táxi ou a alegria de viver

Esta música ["Sultans of Swing"] faz-me lembrar os filmes de cowboys de quando era novo. Às vezes sou assim. Recordo-me da minha infância. Sou uma pessoa alegre. Apesar dos meus 76(ou serão 78?) anos, sou uma pessoa alegre. Em minha casa há sempre muita alegria. Não tenho vícios. Não fumo nem bebo alcoól. Gosto de jogar. O casino foi a minha ruína. Tinha uma boa mulher, mas ela pediu o divórcio e eu tive que lho dar por causa do jogo. Tinha uma boa vida. Ganhava bem, mas o jogo estragou-me a vida. Tinha uma mulher espectacular. Quando digo aos meus amigos que perdi a minha mulher no jogo, eles pensam que foi numa aposta ou em alguma coisa assim. Mas não. Foi porque eu passava as noites a jogar. E perdi muito dinheiro. Agora estou aqui. Tinha a minha garagem. Fazia bom dinheiro. Vendi tudo. Agora trabalho por conta de outrem. Há 20 anos que conduzo um táxi. Conduzo sempre de noite. Eu e o meu patrão. Ele conduz o táxi de dia e eu de noite. Nunca tive problemas. Há 20 anos que aqui ando. Pode-se dizer que tenho um bocado de sorte. Eu sei que tenho alguma sorte. Deus protegeu-me de muitas coisas. Às vezes digo aos clientes para fugirem, quando não têm dinheiro. Digo "Podem ir, mas corram, que é para eu preencher na ficha a dizer que fugiram". Não vou atrás deles porque não é o meu feitio. Eles ficam a olhar para mim, às vezes espantados. E eu - "Corram!". Já passei muitas dificuldades. Quando era novo vivia numa barraca ali perto do Alto de São João. A menina conhece? Não gostava nada de ir à escola. Cantava "chove, chove, galinha a nove". Andava na mocidade portuguesa. Tínhamos de andar todos de farda, bem arranjadinhos. Havia umas pessoas que nos davam uma sopa e um quarto de pão por sermos mais pobres. Eu comia a sopa e levava o pão para a aula. Comia na sala, para o meu professor me ver. Ele via-me e dizia "O menino vá para o corredor"! E eu ia! Ia todo contente! Porque era isso que eu queria! E no Natal.. Recebíamos um saco com broas e favas e era uma alegria. Não era como hoje em dia. As minhas filhas têm sorte. Hoje em dia os miúdos recebem um boneco e nem querem saber dele. Antigamente era uma fortuna! Ainda me lembro da boneca de cartão que dei à minha filha. Ela ficou toda contente. Mas decidiu ir dar-lhe um banho. E lá se foi a boneca. O que ela chorou! Hoje em dia não é assim. Mas é verdade, nós, os pais, fazemos tudo pelos nossos filhos. As minhas filhas têm muita sorte. Há muita alegria em minha casa, com o meu segundo casamento. É aqui? Pronto, agora a menina vá descansar. Boa noite. obrigado. Boa noite! Muitas felicidades para si.

2 comentários:

Sara M. disse...

há taxistas simpáticos. e q conversam e tal. desabafam, explicam, dao opiniao.

às x torna a viagem menos monótona, menos solitária mas, outras x, dou por mim sem vontade de arranjar qq coisa para dizer, para continuar (ou deixar fluir) a conversa. apetece apenas ir a olhar pela janela, em silencio.

teresa disse...

sara m.: desta vez, eu entrei no táxi com vontade de ficar ali sentanda a contemplar a cidade, mergulhada nos meus pensamentos... mas este taxista falou, falou e despejou em cima de mim a história da vida dele. falou sempre com uma alegria tal que eu fiquei contagiada. e a história dele tinha tantos pormenores que eu achei interessantes e que tenho a certeza de que depressa me esqueceria deles.. foi assim que decidi escrever tudo o que ainda me lembrava assim que cheguei a casa:)